Pela segunda vez, produtores, indústria e varejo se reuniram para debater os problemas que envolvem a cadeia da carne bovina gaúcha. O Fórum organizado pelo Instituto Desenvolve Pecuária foi realizado nesta sexta-feira, 28 de julho, na sede da Farsul, em Porto Alegre (RS), com o título “As alternativas para a carne gaúcha na visão do varejo, da indústria e da produção”.
Na abertura, o presidente do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados no Estado do Rio Grande do Sul (Sicadergs), Ladislau Böes, ressaltou que a ociosidade da planta frigorífica está em 50% hoje, mesmo com a boa oferta de gado, e apresentou o dado de que 40% da carne bovina vendida no RS é de fora, ou seja, vinda de outros estados. “Não é a indústria gaúcha que traz esta carne, mas o varejo e a indústria de outros. E o poder aquisitivo da população faz com que procurem uma carne mais barata”, disse Böes, justificando que a indústria gaúcha não é a responsável pela queda do preço do boi, que também ocorreu em outros países, como no Uruguai. Já o diretor da Farsul, Francisco Schardong, afirmou entender que o Fórum é “um carinho à nossa pecuária que precisa de apoio para seguir a sua trajetória”.
Já o presidente do Instituto Desenvolve Pecuária, Luis Felipe Barros, disse que o auditório lotado era a representação da dor do pecuarista. Barros disse que se colocar na balança só o valor, não dá para competir com a carne de fora. “Mas se botar qualidade e a questão da sustentabilidade da carne gaúcha, aí podemos competir. Ninguém explora o sabor, maciez, sustentabilidade nas embalagens da carne que vai para o varejo”, afirmou. Ele anunciou que o Instituto está elaborando uma campanha de caráter pedagógico que objetiva esclarecer o consumidor sobre questões de origem.
A primeira palestra foi do economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz. Ele iniciou fazendo referência ao pai, que foi leiloeiro e cresceu em meio aos pecuaristas. Disse que segue ouvindo as mesmas queixas de quando tinha 14 anos. Da Luz apresentou duas marcas de carne com 33% de diferença, sendo a carne de fora do RS a mais barata. “Nós temos que conscientizar as pessoas, sim, sobre o que estão comprando. Há quem possa pagar os mais de R$ 80 pela picanha, mas outros só comprarão a mais barata”, disse. Ele ressaltou que o importante é entender a razão desta diferença. Para tentar explicar as razões, até mesmo comparou a distância entre os frigoríficos e o mercado, onde pesquisou os valores. No caso, o da peça mais barata é de Rondônia. “Não tem conspiração que explique um produto a mais de 3 mil quilômetros chegar mais barato no mercado em Porto Alegre”, afirmou. As razões são a produtividade, o modo de fazer as coisas, tanto pelo produtor quanto pela indústria, avaliou o economista. “Ou nós como cadeia estamos sendo incompetentes ou estamos nos posicionando equivocadamente”, refletiu. Antônio da Luz disse, ainda, que é importante também saber quem é o consumidor médio. “Está tudo na mesma gôndola e é importante a campanha que o Instituto vai lançar para esclarecer as diferenças”, complementou.
Valdecir Pressi, da rede Asun, disse que os supermercadistas estão pensando no que vai acontecer daqui para frente, em constante evolução. Ao realizar a ligação entre o varejo e a indústria, disse que é importante focar em melhorias tecnológicas, mas sem esquecer das pessoas. “A tecnologia é só parte disso, pois a transformação está dentro de nós”, afirmou. Pressi ressaltou que aqui no estado ainda é muito forte a preferência e que o consumidor gosta de comprar com o açougueiro e ter a carne fracionada no ato da compra. “Vemos que ainda há muito individualismo na relação entre o supermercado e o frigorífico”, disse o consultor, destacando que a parceria tem que ser maior, com critério para exposição de marcas e informações para o consumidor. Para o futuro, Pressi vê a tendência de fracionamento com o avanço de normas legais, onde serão agregados cortes especiais, e que será preciso esclarecer quanto aos preços justo e promocional.
Armando Brasil Salis, diretor do Frigorífico Campeiro, relatou que em 2000 as marcas começaram a diferenciar as carnes, com as denominações nas etiquetas. Contou que o Campeiro percebeu que a partir de 2020, o que passou a valer foi a experiência. Ele relatou que dentro do Programa Sabor da Campanha, quando incluíram o QR Code com informações de origem, viu amigos telefonarem para contar sobre a carne de quem estava consumindo. Estratégias como a de criar marcas para determinados consumidores também foi um dos critérios para competir com a chamada carne commodity. Outro exemplo foi a criação do Selo Aliança, onde o consumidor pode conferir a carne originada de gado criado a pasto. “Precisamos comunicar e nossa sorte é que hoje há o meio digital onde podemos fazer isso”, ressaltou. Ele concluiu que o desafio é levar o produtor para dentro da gôndola do supermercado. “O futuro, para nós, pode me chamar de louco, mas é o terroir. O boi de Dom Pedrito é diferente do boi de Uruguaiana e se pudermos explicar isso, talvez possamos fazer um mercado almejado por todos”, disse.
Bruno Delazari Lang, do Supermercado Lang e representante da Agas Jovem, disse que, quando criança, via pais de amigos comprando carne de outros mercados e não no da família e que isto o fez buscar conhecimento para evoluir o negócio. “Parte do que alcançamos foi conseguido com base no que estudei sobre o meu açougue”, garantiu. Voltando-se diretamente à indústria, disse que o supermercadista não conhece todas as linhas que a indústria produz. O empresário mostrou que teve a necessidade de mudar a cultura dos seus funcionários em busca do objetivo de ser referência no açougue. Entre as ações, destacou o fracionamento da carne e a oferta no autoatendimento e mix de produtos. Ainda como diferencial, Bruno contou do contato direto com o cliente e a personalização. “O cliente me chamou, falou como seria a festa, quantas pessoas e o valor que gostaria de pagar por pessoa. Montamos o kit com uma sugestão de cardápio”, contou o empresário, mostrando ainda a mensagem personalizada que vai na embalagem.
Ivan Faria, presidente da Comissão de Relacionamento com o Mercado do Instituto Desenvolve Pecuária, iniciou com uma analogia entre o globo terrestre e uma bola de cristal. Segundo ele, é importante a leitura dos 200 sócios do Instituto frente aos acontecimentos mundiais. Também citou a pandemia por Covid-19 e a guerra na Ucrânia como fatos que mudam o cenário de uma hora para outra. “A seca, velho problema que não conseguimos resolver mostra que não temos o cenário que o Centro-Oeste possui, de pluviosidade, mas precisamos resolver”, disse o pecuarista. Faria, ao comentar sobre o mercado de exportação para a China, ressaltou que hoje se tem o cliente pagando o preço que quer pelo produto. “Mas as exportações de gado vivo, em momentos de baixa, são boas para o pecuarista”, ressaltou. Ao citar o avô, Mocinho Faria, que disse ser seu inspirador, afirmou acreditar que o pecuarista só se mantém no negócio por paixão. “Precisamos de organização e permaneceremos apaixonados enquanto o negócio nos permitir respirara”, completou.
Júlio Barcellos, coordenador do NESPro/Ufrgs, foi o último palestrante do dia e propôs olhar para dentro da porteira. “A conjuntura é circunstancial e me preocupo com problemas de natureza estrutural que sempre se repetem”, afirmou, ao ressaltar que o Fórum não é um evento de economia, mas de governança. O professor destacou que até 2026, chegará ao mercado o produto que pode ser gerado em novembro deste ano. “Mil dias nos separam da atitude de hoje”, afirmou Barcellos. Conforme o professor, inteligência, dados e informação devem ser levados para dentro da porteira e fazem parte da alavanca da competitividade para sobreviver. O ciclo proativo das decisões, conforme Barcellos, é análise de dados, tomada de decisão e atitude.
Após as palestras, foi realizada uma mesa redonda onde foram debatidos os dados apresentados pelos convidados. A coordenação da mesa foi da produtora Fernanda Costabeber.